A caminho do Oscar - Santa Tereza Tem
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A caminho do Oscar

*Por Jorge Fernando dos Santos

Em Ainda estou aqui, Fernandinha incorpora Eunice Paiva com extraordinária força interpretativa

Quase todo o Brasil festeja a conquista do troféu Globo de Ouro de Melhor Atriz por Fernanda Torres, com sua excelente atuação no longa-metragem Ainda estou aqui, de Walter Salles. Premiação mais que merecida, já que sua performance é acima da média, simplesmente algo de arrepiar. Tanto que as demais concorrentes ao prêmio vibraram com a sua vitória.

Eis um bom sinal de que a atriz brasileira tem boas chances na disputa do Oscar deste ano. Fernandinha, como é popularmente conhecida, recebe o Globo de Ouro exatamente 25 anos depois de sua mãe, Fernanda Montenegro (a Fernandona), ter sido premiada por Central do Brasil, do mesmo diretor, então vencedor na categoria de melhor filme.

Fernanda Torres estreou no cinema ao 17 anos, protagonizando Inocência, de Walter Lima Júnior, adaptado do romance homônimo de Visconde de Taunay. Ela contracenou com Édson Celulari e também com seu pai, Fernando Torres. O longa, cuja trilha sonora coube ao mineiro Wagner Tiso, faturou dois Quiquitos no Festival de Brasília de 1983: o de melhor diretor e o de ator coadjuvante, para Sebastião Vasconcelos.

Já daquela vez a atuação da jovem atriz agradou boa parte da crítica, comprovando o ditado de que “filho de peixe, peixinho é”. Em 1986, com apenas 20 anos, Fernandinha ganharia a Palma de Ouro em Cannes, pelo excelente desempenho em Eu sei que vou te amar, longa de Arnaldo Jabor, também estrelado por Thales Pan Chacon.

Mãe-coragem

Depois de vários outros trabalhos, principalmente na televisão, particularmente em humorísticos de sucesso como Os normais (que também virou filme com direção de José Alvarenga Júnior), Fernanda Torres encontrou no enredo de Ainda estou aqui uma grande oportunidade de superar todos os seus trabalhos anteriores.

Adaptado do livro de Marcelo Rubens Paiva, o filme de Walter Salles é de tirar o fôlego. Inspirado em fatos reais, o longa narra o triste episódio de sequestro, tortura e desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva por militares do Exército, durante a ditadura Médici. Eunice, sua mulher, que também chegou a ser detida nas dependência do Doi-Codi no Rio de Janeiro, passou o resto da vida buscando notícias do marido.

O longa de Walter Salles é excepcional. Além da excelente reconstituição de época e do elenco encabeçado por Fernandinha e Selton Mello (excelente como Rubens Paiva), tem uma atmosfera de suspense que raríssimas vezes já se viu no cinema brasileiro. É também um testemunho de força e superação humana em tempos de violência e obscurantismo.

A narrativa foge ao óbvio da ação explícita e da comiseração excessiva. Ainda estou aqui não apenas serve de alerta contra as ditaduras, como também mostra a fragilidade do cidadão comum em tempos de exceção e de violência institucional. Por essas e outras, a mãe-coragem Eunice Paiva, incorporada de corpo e alma por Fernanda Torres, é digna de figurar na galeria das maiores personagens femininas do cinema mundial.

*Jornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012).

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